21 fevereiro 2008

 

CHEIRO DAS BORBOLETAS

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A caminho da fazenda de Fred Samburá, o Poeta, na velocidade de seu quatro por quatro, sentia os ventos em seus cabelos a açoitar não somente os pêlos mas também os neurônios.

Um sorriso carmesim e adocicado repousava em seus lábios quentes. Quem lhe via de fora, não podia apostar nos seus pensamentos: se na temperatura dos infernos ou na importância social dos colecionadores de bola-de-gude.

Na paz da avenida Litorânea -a estrada para a fazenda do Samburá-, o Poeta notava os calafrios motivados pela saudade precoce dos dias que estavam por vir. A certeza de alegria nos dias seguintes era-lhe confirmada pelo cheiro das borboletas atropeladas e queimadas por seu troller.

Resolveu fugir da saudade e da ansiedade angustiosa, e, para tanto, decidiu lembrar. Lembrar de um passado já enterrado e vívido, onde Samburá era tão-somente um amigo triste que cheirava a peixe.
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11 fevereiro 2008

 

CABELOS REBELDES

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O vento e o Sol que há muito inundava o rosto do Poeta somado ao barulho do despertador o tirou da cama, sobressaltado e, ironicamente, decepcionado e feliz.

- Que sonho! - disse o Poeta, passando as mãos pelos cabelos rebeldes.

Léa, a gata, espreguiçava-se à janela e lambia-se, como fazem os gatos. Depois de um banho frio e rápido, o Poeta encheu diversas travessas de ração, e deixou ligado um sistema de abastecimento de água, para que a gatinha não tivesse sede, enquanto passava os dias na Fazenda do Fred Samburá.

- Água e comida não faltarão, Léa! - falou acarinhando e recebendo, de volta, o carinho ronronado do animal de estimação.

O Poeta pegou a mochila, as chaves do carro, e partiu para a fazenda de Fred Samburá, ainda com o cheiro de chuva da morena e a visão da ruiva de tão linda.

Ao sair de casa, não pôde notar uma corrente de chumbo pesada no meio da sala nem os cacos de vidro da taça que, antes, sob a cama estava cheia.
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09 fevereiro 2008

 

PANTUFAS NO CHÃO

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Espantado e ansioso, o Poeta acordou no meio da madrugada. Teve um sonho estranho, sonhou com montanhas de sorvete e geléia que não acabavam jamais. Levantou e foi direto à cozinha tomar água. Pegou um livro para ler, voltou à cama. Ao lado, viu que dormia Léa, a gata, e em um gesto carinhoso e automático passou a mão sobre o felino, que ronronava e dormia.

Acomodando-se, voltou os olhos ao livro, e leu até perder-se no sono que antes tinha perdido. Não havia notado que, sob a cama, ainda havia uma taça de vinho. Dormindo, o Poeta sonhou um sonho com cheiros dourados e cores surdas. Caminhava descalço, com suas pantufas presas à cintura por uma corrente de chumbo, muito estranho e familiar ao mesmo tempo. Chegando em seu aposento, deliciosamente nuas, duas mulheres o esperavam.

A primeira, uma morena que lembrava o cheiro da chuva; a segunda era ruiva de tão linda, e dela se ouvia o barulho do luar. O quarto, macio e repleto de incenso e penumbra, logo o excitou. A morena com cheiro de chuva tinha uma taça de vinho e, após sorver um pouco, entregou à ruiva de tão linda que, após fazer o mesmo, passou-a ao Poeta. Ao receber o vinho em suas mãos, as correntes com as pantufas foram ao chão, sem o barulho do pesado chumbo. Estranho, pensou o Poeta.

Bebeu o vinho até o fim, de um gole só, e, enquanto a ruiva tomava de suas mãos a taça, via a morena excitando-se, tocando-se e ronronando num ritmo inaudível de feérica masturbação. A taça caiu das mãos da ruiva, e a maciez do quarto não a impediu de se espatifar no chão. Completamente nu, o Poeta beijava e era beijado, os corpos dos três dançavam numa sincronicidade perfeita, quebrando o silêncio com a surdez do ouro, entrando e saindo de aposentos sem serem notados, com os passos firmes, porém calados -como os dos felinos.

O Poeta sentiu o êxtase da morena, e a beijou mais forte, fazendo-a tremer de medo e de prazer, como nunca sentira antes. Deixou-a em um canto do quarto para que ela recuperasse suas força e consciência. O falo do Poeta penetrou a ruiva, depois de lamber seu sexo, e esta sorriu como sorriem os serafins. As pernas da ruiva de tão linda, firmes e cheirosas, acompanhavam o mesmo compasso do Poeta, e ele sentiu o momento em que a moça começou a desfalecer em seus braços, soltando um hálito tão visivelmente lindo e cheio de cores, que foi capaz de fazer, outra vez, a morena masturbar-se enquanto o Poeta não vinha.
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05 fevereiro 2008

 

VINHO NOVO EM ODRE VELHO

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Cedinho da manhã, o seu destino era a fazenda do Samburá. Enquanto arrumava a mochila, escutava Pink Floyd e bebia vinho. O som progressivo apressava o término de cada cálice. Ele sabia disso, e sorria. Os cálices esvaziavam e enchiam como o vento dentro de uma casa arejada.

Um banho quente seria ideal.

Trocou Pink Floyd por Los Hermanos, e baixou o volume. Completou o último cálice como as prostitutas preparam o sexo. Na hora de dormir, mesmo sabendo da viagem para a fazenda do Samburá, fechou os olhos como não precisasse abri-los ao acordar.

Dormiu nu. Juntou-se ao Poeta, na mesma cama, mais para velar seu sono do que para dormir, Léa, a gata. Achara na rua há anos, a morrer de frio e fome.

Sob a cama, a última taça de vinho. Intacta. Era um vinho novo em uma taça usada.
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01 fevereiro 2008

 

AROMAS E SABORES

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Em casa, o Poeta pôde ser livre, quase tanto o é nas ruas. Um pouco mais à vontade, é claro. Despiu-se das roupas e das idéias, menos do sentimento de que na fazenda do Samburá seria bom.

A lembrança das botas veio vívida, e as imaginou olhando para o mar. Ou sendo vistas por ele. Jamais pensaria que alguém, um dia ou uma noite, as levasse consigo. Não! Os poetas não pensam nisso. Já lhes bastam as tragédias pessoais.

Abriu uma garrafa de vinho, bem devagar, quase como um deus que faz suas preces a outro deus. Pôs em um cálice, uma pequena porção do líquido. Cheirou e cheirou (o cheiro lembra hálito de mulher virgem). Provou e provou (o sabor tem o gosto das bocas femininas que tanto gosta de beijar).

- É por isso que gosto dos vinhos... - pensou o Poeta.

Completou o cálice, e absorveu aromas e sabores, quase como um deus que faz suas preces a outro deus.
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