12 abril 2008

 

UM MORTO QUE LHE SORRI

.
Ao chegar na fazenda de Fred Samburá, o Poeta percebeu o peito feliz. Assim como em dias de chuva, a alegria ou a tristeza -em formatos de cores e cheiros- envolvia o Poeta por completo, desenhando um sorriso em seus lábios ainda ressecados pela farra com Espelho. Continuou por um caminho de piçarra que, com certeza, resultaria no reencontro com o amigo Samburá.

Ao longo do caminho, vindo de encontro ao Poeta, as mercenárias mulheres de preto choravam a alma de alguém. Parou em sinal de respeito, e esperou o cortejo passar. O caixão estava, ainda, aberto, talvez para que todos que por ele passassem, soubessem quem era.

O Poeta perguntou quem era o defunto a um garoto que seguia à parte do funeral:
- Quem era o velho?

- Seu Ribamar. Trabalhava aqui há pouco tempo, era muito religioso, estava doente da cabeça e morreu ontem. Ninguém sabe de sua família nem de onde veio, mas sabemos para onde vai. - respondeu o garoto alegre e excitado por acompanhar um funeral, talvez o primeiro de sua vida. Ou talvez não. Provavelmente funerais lhe fossem comuns, são sempre cortejos.

- E para onde o corpo vai? - perguntou o Poeta.

- Para o cemitério. - Falou quase ironicamente e já saindo depressa, a fim de não se afastar muito da procissão.

O Poeta notou o rosto cinza-amarelo e a expressão fechada dos mortos tristes. Pensou na tristeza do morto quando em vida. Parou o carro, desceu e acompanhou o funeral.

O choro e as músicas melancólicas o fizeram chorar.

Logo em seguida, uma das mulheres de preto, provavelmente a chefe das carpideiras, lhe disse bem perto do ouvido e apertando com força o braço esquerdo do Poeta.

- Pode chorar, mas não venha cobrar as suas lágrimas depois. Somos muitas e o dinheiro é pouco. Sem entender, o Poeta quis rir, e sorriu com os olhos. Olhou para o cadáver já esverdeado por causa do Sol. A gente dá trabalho quando nasce e quando morre - pensou.

Em meio aos curiosos, uma menina chamou a atenção do Poeta. Ela ria com outras garotas, faziam fuxicos umas com as outras e apontavam para o 'forasteiro'. O Poeta riu-se da situação. Resolveu aproximar-se do morto para seguir até a casa principal e chegar antes da hora do almoço. O mesmo garoto que foi abordado pelo Poeta, há poucos minutos, reapareceu e veio com novidades.

- Seu moço, o velho tem família, sim. Já avisaram, e um filho vem pra cá ainda esse ano.

- Ainda esse ano? Por que não vem logo? - Indignou-se o Poeta.

- Deve ser dinheiro...

- Ah, é... Deve ser dinheiro. - Concordou com vergonha.

- Seu moço, minha prima mandou avisar que o senhor é moço bonito.

- Obrigado... Quem é sua prima?

- Aquela de vermelho. Ela é sobrinha do seu Samburá. - Disse apontando para a moça que chamou a atenção do Poeta.

- Diga para a sua prima que ela é muito bonita também. Qual é o seu nome?

- Pedro, mas pode chamar de Bó. Todo mundo aqui me conhece por Bó. Tem gente que nem...

- Não, Pedro, não quero saber o seu nome... Quer dizer, quero saber que posso te chamar de Bó. Agora, Bó, qual o nome da sua prima?

- Qual delas? A que mandou dizer recado ou as outras?

- A que enviou o recado, Bó! - respondeu o Poeta já entendendo o motivo do apelido.

- Ah!, é Ipsílon! - respondeu o garoto.

- Quê? - 'Quê' não! Ipsílon...

- Sua prima se chama Ipsílon? - perguntou o Poeta mais descrente do que espantado. Diga que ela é muito bonita. Agora tenho que ir.

- Seu moço, e quem é o senhor? - Sou amigo do Samburá. Venho passar uns dias aqui, e agora vou almoçar com ele, em sua casa.

- Ah, sim! Intonce pronto, teje explicado tudinho: a casa arrumada, muita fartura e alegria na casa grande. O Poeta riu e perguntou:

- Bó, onde poderei ver Ipsílon outra vez?

- À noite. Ela mora na casa grande também, mas de tarde trabalha na Prefeitura.

Foi olhar o morto para dar adeus. Ao ver, Ribamar era um cadáver verde-esbranquiçado que lhe sorria. Olhou para os lados, pensou em desmaiar. Voltou os olhos para Ribamar que lhe continuava rindo.

O troller do Poeta nunca seguiu um caminho mais rápido. E feliz. E admirado.

- Essa é boa! Ribamar é um morto que sorriu pra mim. - Pensou o Poeta ainda desacostumado com as surpresas da vida.
.

Comentários:
Foi muito bom sim..carpideiras, fuxicos, choros e sorrisos nesse espelho lírico..

Beijo!
 
eu já era encantado por espelho, agora surge Ipsílon...
 
Grazzi, até seus comentários são poéticos. Você tem "trato com o divino".
 
Caro Emmanuel, espero poder lhe apresentar muitos e muitos encantos pela frente. Por que, ora bola, ficar encantado apenas com Espelho e com Ipsilon, não é mesmo?

Abraços e obrigado por sua presença aqui.
 
Rodrigo querido,foi bárbaro...rsrs...Adorei...Mais e Fred Samburá?...rsrsrs...Deve ter seu Espelho,mais ainda não consegue se ver a si mesmo...rsrs...Beijos e mais beijos...

Há muitas maneiras sérias de não
dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

(Manoel de Barros)
 
Amigo, amigo... Estás produzindo bastante, hein? Fico feliz!!!

E me deixou com a pulga atrás da orelha... Meu avô chamava todo mundo de "Pedro Bó". Vc sabe de onde vem essa expressão??? Estou curiosa! rs

Um beijo e um cheiro.
 
Em tempo: Te linkei, de novo, no Avesso. Só pra variar. ;)
 
Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]