15 março 2008

 

REMY

.
Ainda no caminho para Fortim, onde ficava a fazenda de Fred Samburá, havia um castelo-pousada. Ali, Poeta e Espelho fizeram uma refeição e pediram um quarto.

O Poeta pagou adiantado o período da estada, e Espelho descobriu uma fonte de água mineral que virava lama com o toque das mãos humanas.

O gerente do castelo-pousada, um homem negro com a aparência de sessenta anos, explicou para Espelho que não se deve tocar a água, a não ser diretamente com a boca.

Remy era o proprietário, e o cargo era passado de pai para filho. Foram, assim, os últimos seiscentos anos. Espelho admirou-se da mentira contada pelo negro de smoking e de pés descalços, e riu constrangida por não acreditar em história mais absurda.

Sabia, o Poeta, da lenda do castelo-pousada, e dirigindo-se ao educado homem perguntou-lhe sobre os arquivos da pousada. "Encontram-se no vigésimo-primeiro andar", respondeu Remy, virando-se e cumprimentando o Poeta. "Como proprietário do castelo, faço questão de levá-los até lá, e mostrar-lhes nossa papelada e escritos, inclusive com pinturas de nossas guerras contra os colonizadores".

- Como pode ficar no vigésimo-primeiro andar, se o castelo termina no terraço, em um baixo terceiro andar? - questionou, já irritada, Espelho.

- Nossos aposentos ficam todos abaixo do nível do mar. O subsolo é um local agradabilíssimo, a temperatura não passa dos vinte e um graus, a oxigenação é perfeita e pura, entre outros fatores que influenciam diretamente em nosso organismo, nos tornando jovens e saudáveis. Por isso, enterramos nossos mortos. Os antigos acreditavam que assim a vida eterna seria mais interessante...

- Mas... - tentou interromper Espelho, na fronteira entre a irritação e a curiosidade.

- Quantos anos você acha que eu tenho? - Uns sessenta anos... - respondeu Espelho.

- Esta é a idade da minha neta, a primeira neta!, respondeu e fechou os olhos por alguns segundos, obviamente trazendo à mente a imagem da velha que, para ele ainda era uma garotinha.

- Bem, a conversa está muito agradável, mas precisamos descansar um pouco, senhor Remy. - Falou o Poeta.

- Oh, sim, claro! - entendeu o gerente.

No quarto, enquanto Espelho tomava banho e se esfregava com sabonetes e cacos de telha, o Poeta lia, em um folheto do castelo, a biografia dos antecedentes do gerente. Remy era um negro de ascendência francesa, tinha uma fala aveludada e os olhos dourados, que brilhavam no escuro.

Remy não dormia à noite, passava o escuro noturno a comer gafanhoto com chantilly, e nunca sentiu falta de uma hora de sono, pois jamais dormira em toda a sua vida. O homem tinha cento e dezoito anos, e, certamente, em dias maus, aparentava ter, no máximo, metade da idade real.

Quando não comia seus insetos com cremes, Remy tinha a mania de transcrever livros, de trás para frente, não somente as páginas mas também as letras. Isso o faz falar em português, mas totalmente incompreensível.

O cheiro de tapioca invadia o quarto do Poeta.

- O cheiro das coxas de Espelho, pensou.

Espelho saiu do banho. Os esfregões com a telha e os sabonetes baratos deixaram as carnes da morena deliciosamente libidinosas e excitantes.

A partir daquele instante, Espelho só largou o Poeta ao fim de oito dias. Com Espelho, o Poeta aprendeu a fazer sexo por oito dias sem parar, sem a preocupação com necessidades mais baixas, como sede, comida, sono.
.

Comentários:
arrepiado, foi como fiquei após a leitura de "remy". senti um cheiro de gabriel garcia marquez. assim como ele, suas palavras têm sabor, rodrigo. gafanhoto com chantilly é fantástico!
 
"No quarto, enquanto Espelho tomava banho e se esfregava"

Caro Rod, sinto falta do detalhamento do quarto, de detalhes que nos façam ver o ambiente. Gosto da história por um fato: há vontade de saber o que passo seguinte, mas que tal atribuir ambientação ao relato?
Assim você mesmo viverá com mais intensidade o acontecido em sua mente.
Abraços.
 
nPerdão, mas não sinto necessidade de mais detalhes do quarto...???
Há mistério quanto ao ambiente.
IsTo é bom!Gostei do relato que apenas deixa fluir a emoção/ato de amor do personagem "REMY" .
Será código para não falar: _"reflexo de mim"

Hum...Tomarei outro vinho.
Saudações Poéticas
 
Hamilton,

Adoro suas conclusões sobre meus textos, haja vista sua experiência como escritor e autor de seu segundo livro.

Vou encontrar tempo para refazer este conto, com as suas orientções.

Muito obrigado.
 
Caro "anônimo",

Obrigado por sua participação. Venha sempre aqui dizer o que pensa e o que acha. É importnte trabalhar e aprimorar os textos com as impressões mais diferenciadas possíveis: isto é opinião pública. E este blogue, mais do que meu, é de quem vem aqui para fazer a leitura.

Obrigado.
 
A sinergia encontrada nesse
texto... Amei!
Parabens!
 
Anônimo, não quero discordar de você. Mas, acredite, mesmo que haja muitos detalhes, ainda assim haverá infinito espaço para, com intensidade, montar mais detalhes, cores e cheiros do ambiente.
 
Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]